PROJETO DE LEI N.º 126/XIV
NONA ALTERAÇÃO À LEI N.º 37/81,
DE 3 DE OUTUBRO (Lei da Nacionalidade)
Exposição de motivos
Existem portugueses que, tendo nascido em Portugal, não têm nacionalidade portuguesa. Encontram-se, desde o seu nascimento, num limbo legal, que afeta de forma acentuada as suas vidas pessoal e profissional. Tratam-se de indivíduos que têm uma ligação profunda com o Estado, em virtude do seu nascimento e de uma efetiva ligação à comunidade nacional, que é muitíssimo maior do que aquela que o Estado se lhes reconhece.
Porque a nacionalidade é o vínculo jurídico que liga um indivíduo ao Estado, a condição de ser português representa, para cada indivíduo, um poderoso alicerce da sua identidade. Para o Estado, a delimitação do universo dos seus nacionais constitui uma prerrogativa fundamental, expressão da sua soberania, mas também de afirmação na comunidade internacional. É um dado elementar de qualquer ordenamento jurídico moderno a utilidade e oportunidade na realização da função legislativa.
Ora, a atual Lei da Nacionalidade, contém normas materialmente constitucionais, mas que se acham sujeitas a requisitos impossíveis. Reconhecer e atribuir a nacionalidade portuguesa a quem nasceu no território de Portugal é mais do que um imperativo fundamental; tal reconhecimento é, por força do artigo 4.º da Constituição da República Portuguesa, uma obrigação de justiça social, um corolário da própria definição de Estado. Também a Declaração Universal dos Direitos Humanos vai nesse sentido, no seu artigo 15º, consagrando que “todo o indivíduo tem direito a uma nacionalidade”.
É sabido que o ordenamento jurídico português privilegia o jus sanguinis ao jus soli. Tal facto tem que ver com os momentos históricos, dependendo se os fluxos de mobilidade são de emigração ou imigração. Apesar de a última alteração à Lei da Nacionalidade ter, materialmente, alargado o acesso à atribuição de nacionalidade originária, segundo o critério do jus soli, ficou esse acesso sujeito a critérios de jus domicili e jus sanguini, dependente da residência de um dos progenitores em território português. Também na atribuição da nacionalidade segundo critérios de jus domicilli e jus sanguini, os requisitos esvaziaram o conteúdo material do que eventualmente o consenso parlamentar teria desejado.
Como é que o Estado incentiva um olhar de pertença à comunidade nacional aos imigrantes rejeitando a nacionalidade imediata aos seus filhos? Como pode conviver o estado com a restrição da cidadania em ambiente de democracia e liberdade? Quem nasce e vive em Portugal deve ter o direito subjetivo à nacionalidade portuguesa de forma imediata e definitiva. E esse direito existe desde o momento do nascimento, pelo que nenhuma pessoa pode ver o seu direito constrangido por vicissitudes legislativas ou por incongruências processuais, ou pela situação desfavorável em que se encontrem os seus progenitores e que coloquem em causa a cidadania das crianças.
Pelo exposto, este Projeto de Lei prevê:
– A atribuição da nacionalidade originária para cidadãos nascidos em Portugal Continental e Regiões Autónomas entre 1981 e 2006 por mero efeito da lei, independentemente da apresentação de prova de residência legal de um dos seus progenitores;
– A eliminação da norma legislativa, enviesada tecnicamente, e que impede a aquisição da nacionalidade portuguesa a quem tenha sido condenado a pena de prisão igual ou superior a 3 anos, uma vez que a referida pena é uma medida da exclusiva função jurisdicional, competência de outro órgão de soberania – os tribunais;
– Alteração do artigo 3.º da atual Lei, fazendo depender a aquisição da nacionalidade por casamento ou união de facto por mera declaração;
– Alteração, para efeitos de aquisição da nacionalidade por naturalização, do artigo 6.º, n.º 1, al. b), definindo-se, no que diz respeito à contagem do tempo, a residência efetiva e não a residência legal.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a DURP LIVRE apresenta o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente Lei procede à nona alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto -Lei n.º 322 -A/2001, de 14 de dezembro, na redação dada pelo Decreto -Lei n.º 194/2003, de 23 de agosto, pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho e 2/2018, de 5 de julho.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro
Os artigos 1.º, 3.º, 6.º, 9.º e 21.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:
“Artigo 1.º
(…)
1 – (…)
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha direta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses.
e) Os indivíduos nascidos entre 1981 e 2006 no território português, filhos de estrangeiros que declarem que querem ser portugueses.
f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado.
g) (…)
2 – (…)
3 – (Revogado)
4 – (Revogado)
Artigo 3.º
(…)
1 – O cônjuge estrangeiro de nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa através de declaração feita na constância do matrimónio.
2 – (…)
3 – O estrangeiro em união de facto com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante a apresentação de declaração de reconhecimento da união de facto emitida pela respetiva junta de freguesia.
Artigo 6.º
(…)
1 – (…)
a) (…)
b) Residirem no território português há pelo menos dois anos.
c) (Revogado)
d) (Revogado)
e) (…)
2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, aos quais não tenha sido atribuída nacionalidade originária.
3 – (…)
4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade.
5 – (Revogado)
6 – O Governo concede a nacionalidade por naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que não sendo apátridas, tinham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.
7 – O Governo concede a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.
8 – O Governo concede a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham residência, independentemente de título, há pelo menos dois anos imediatamente anteriores ao pedido e desde que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português.
9 – (…)
10 – (Revogado)
Artigo 9.º
(…)
1 – (…)
- (Revogado)
- (Revogado)
- (…)
- (…)
2 – (Revogado)
3 – (Revogado)
Artigo 13.º
(Revogado)
Artigo 21.º
(…)
1 – A nacionalidade portuguesa originária dos indivíduos abrangidos pelas alíneas a), b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo assento de nascimento.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 – (Revogado).”
Artigo 3.º
Regulamentação
O Governo procede às necessárias alterações do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, no prazo de 30 dias a contar da publicação da presente lei.
Artigo 4.º
Norma revogatória
São revogados o n.º 3 e o n.º 4 do artigo 1.º; as alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 6.º, os números 5 e 10 do artigo 6.º, as alíneas a) e b) do n.º 1, e o n.º 2 e n.º 3 do artigo 9.º, o artigo 13.º e o n.º 5 do artigo 21.º, todos da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 26 de novembro de 2019
A Deputada
JOACINE KATAR MOREIRA