Nacionalidade com fundamento em união de facto exige ação judicial contra o Estado

Depois de dezenas de anos em que a Conservatória dos Registos Centrais aceitou decisões proferidas em processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira, ou escritura equivalente, sobre  atos de confirmação da união de facto ou de estatuto equivalente, multiplicam-se os acórdãos que exigem que esses processos sejam instruidos com sentença proferida em ação civel, a propôr em tribunal português.

O último desses acórdãos é datado de 10/5/2022 e tem o seguinte conteúdo:

 

Tribunal da Relação de Lisboa

Processo nº 1049/22.8YRLSB

Revisão/confirmação de sentença estrangeira

Requerentes: Naiara …. e Pedro ….

 

Sumário (art.º 663º nº7 do CPC) – Da responsabilidade exclusiva do relator)

  1. A ação de revisão e confirmação de sentença estrangeira, que tem por objeto uma escritura declarativa de união de facto, é meio processual inadequado para preenchimento do requisito legal previsto no Art. 3.º n.º 3 da Lei da Nacionalidade (Lei nº 37/81 de 3 de outubro)  para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa, uma vez que aí se pressupõe que deve ser instaurada ação no tribunal cível de primeira instância, contra o Estado Português, num processo que pressupõe a demonstração judicial dos factos em que se estriba o pedido, com amplo contraditório, o que não se compagina com a finalidade e tramitação próprias do processo previsto no Art.s  978.º e seguintes do C.P.C..
  2. Estando em causa um mero meio de prova sobre uma união de facto a que a lei nacional, pontualmente, vai atribuindo determinados efeitos jurídicos, o documento – “escritura declaratória de união estável” – vale por si só, enquanto meio de prova, não sendo finalidade típica da ação de revisão de sentença estrangeira o reconhecimento da autenticidade desse meio de prova.

 

 

ACORDAM OS JUÍZES NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

 

I – RELATÓRIO

Naiara…. e Pedro … Velasquez, ambos de nacionalidade brasileira, mas o segundo também com nacionalidade portuguesa, vieram requerer a confirmação da escritura declaratória de união estável outorgada a 7 de agosto de 2017 no 15.º  Ofício de Notas da Tabeliã Fernanda de Freitas Leitão, do Brasil, nos termos da qual os Requerentes declararam que mantém vivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família desde 7 de agosto de 2016.

Sendo os interessados na ação os identificados como requerentes, não houve lugar ao cumprimento de contraditório.

Cumprido o disposto no Art. 982.º n.º 1 do C.P.C., os Requerentes concluíram pela procedência da ação e a Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal deu parecer no sentido de que o Art. 3.º n.º 3 da Lei da Nacionalidade não prescinde de ação judicial contra o Estado, não sendo o processo especial de revisão de sentença estrangeira meio processual adequado para a finalidade pretendida, pugnando assim pela improcedência do pedido.

A questão, tal como suscitada e em face da manifesta discordância existente nos tribunais superiores, não poderá ser apreciada em decisão sumária liminar, ao abrigo das disposições conjugadas dos Art.s  656.º e 982.º n.º 2 do C.P.C., impondo-se assim que seja proferida decisão em coletivo.

 

II- QUESTÕES A DECIDIR

As questões a decidir consistem não só na verificação dos requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da sentença estrangeira que constitui objeto da presente ação, nas também no interesse em agir e adequação deste processo tendo em conta a possibilidade da presente ação poder constituir meio processual para a obtenção de nacionalidade portuguesa, pela verificação do requisito previsto no Art 3.º n.º 3 do Lei da Nacionalidade.

 

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

 

 

III- FACTUALIDADE PROVADA

Com interesse para a decisão da causa, mostram-se documentalmente provados os seguintes factos:

  1. Pedro…, nascido a 25 de abril de 1987, é filho de Marco…e de Andréa ….., tendo obtido a nacionalidade portuguesa, conforme averbamento n.º 1 de 2020-11-27 ao assento de nascimento n.º 98316 do ano de 2020 (cfr. doc. de fls. 24);
  2. Por escritura declaratória de união estável, outorgada no livro n.º SBH – 714, a fls. 054/054 verso, ato: 30, a 7 de agosto de 2017 no 15.º Oficio de  Notas da Tabeliã Fernanda de Freitas Leitão – Rio de Janeiro, Brasil, e perante o notário, os Requerentes, Pedro ….e Naiara…., solteiros e maiores, declararam que mantêm sob o mesmo teto, convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família  desde 7 de agosto de 2016 (cfs. doc. de fls. 22).

 

Tudo visto, cumpre apreciar.

 

 

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A presente ação visa a revisão e confirmação de ato notarial emanado de autoridade estrangeira, no caso brasileira, nos termos do qual os Requerentes declararam que passaram a  viver juntos, em união estável, de forma pública e contínua, duradoura e com o objetivo de constituição familiar desde 7 de agosto de 2016, tendo a presente ação por finalidade principal o reconhecimento judicial da existência de união de facto, com vista ao preenchimento do requisito previsto no Art. 3.º n.º 3 da Lei da Nacionalidade.

Conforme se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2011 (Relator: Paulo Sá – Proc. n.º 987/10.5YRLSB – Todos os acórdãos invocados estão disponíveis em http:/www.dgsi.pt): «O nosso sistema  de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se, basicamente, no chamado sistema de deliberação, isto é, de revisão formal. O que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz a  certos requisitos de forma, não conhecendo, pois, do fundo ou mérito da causa. Ou seja, desde que o tribunal nacional se certifique que tem, perante si, uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais, não fazendo sentido que proceda a um novo julgamento da causa».

Trata-se, pois, de uma ação de simples apreciação com processo especial, que tem por finalidade reconhecer efeitos jurídicos de decisões estrangeiras no nosso ordenamento nacional. O que pressupõe que o nosso ordenamento atribua à mesma situação jurídica declarada por autoridade estrangeira efeitos jurídicos relevantes, por mera decorrência da sua existência.

Dito isto, importa estar ciente que não está em causa nestas ações de revisão e confirmação de sentença estrangeira a aplicação no nosso ordenamento jurídico de normas de direito estrangeiro, por força das normas de conflito de Direito Internacional Privado (v.g. Art.s 14.º a 65.º do C.C.). Pelo que, o estatuto pessoal decorrente da “união estável” reconhecida pelo direito brasileiro, nomeadamente para efeitos sucessórios ou familiares, não depende de processo de revisão de sentença estrangeira, pois eles resultam da aplicação a cada caso das normas de conflitos previstas, nomeadamente nos Art.s 25.º, 31.º n.º 1 ou 62.º do C.C., confrontadas com as correspondentes normas do direito brasileiro.

Reconhecidamente a lei brasileira atribui à “união estável” um conjunto de efeitos jurídicos que vão muito para lá do que é estabelecido na realidade nacional. A este propósito, realçamos o Código Civil brasileiro, aprovado pela Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, refere-se em diversos preceitos legais a esta figura, dedicando-lhe especificamente alguns artigos no Livro IV do Direito de Família, a saber:

 

Art. 1.723.º: «É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

  • 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
  • 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável».

Art. 1.724.º: «As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos».

Art. 1.725.º: «Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens».

Art. 1.726.º: «A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil».

Art. 1.727.º: «As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato».

No entanto, como já evidenciámos, não são estes efeitos os que estão em causa numa ação de revisão e confirmação de sentença estrangeira. O que releva nestas ações são os efeitos jurídicos que as partes pretendem obter na nossa ordem jurídica pelo reconhecimento da própria situação jurídica de “união estável”, que só pode ser equiparada no direito português, pela sua intuitiva semelhança, à situação jurídica da “união de facto”.

Ora, a nossa lei não atribui à “união de facto” relevância jurídica para a constituição de relações de família ou para efeitos sucessórios.

A “união de facto” tem relevância no nosso ordenamento jurídico, mas essencialmente como “mera situação de facto”, suscetível de prova e função de cada instituto jurídico para o qual a mesma assume específica relevância efetiva.

Não existe em Portugal um estado civil para o “unido de facto”, não podendo invocar-se essa situação como “impedimento matrimonial” (v.g. Art.s 1600.º e ss. do C.C.), nem sequer como impedimento para a constituição doutras uniões de facto. A admitir-se semelhante efeito tal constituiria um limite inaceitável ao direito constitucional de constituir família, sob a tutela do Estado (Art. 67.º da C.R.P.) e bem, assim, ao reverso da mesma medalha, que integra o “direito de não querer constituir família”.

Em todo o caso, como referido, existem situações em que a união de facto assume relevância, não propriamente como “estado”, mas como “situação de facto” a que são atribuídos certos efeitos jurídicos. Sucede que, essas situações não podem estar compreendidas no âmbito específico das ações de revisão de sentença estrangeira. Por um lado, porque os factos não estão compreendidos pela força do caso julgado da sentença (revidenda), como bem assinalava Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., pág 716). Por outro, porque o objeto das ações de revisão e confirmação de sentença estrangeira é diverso e centra-se na apreciação sobre a verificação de certos pressupostos formais que não incidem sobre a veracidade dos factos provados na sentença objeto de revisão.

Efetivamente, nos termos do disposto no Art. 980.º do C.P.C. para que a sentença seja confirmada é necessário:

  1. a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
  2. b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
  3. c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
  4. d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afta tribunal protuguês, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
  5. e) Que o réu tenha sido regularmente citado para ação nos termos da lei do país do tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
  6. f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português.

Estabelece ainda o Art. 983º n.º 1 do C.P.C que: «O pedido só poder ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980º, ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados nas alíneas a), c) e g), do artigo 696º». Por sua vez,  o Art. 984º do C.P.C determina que «O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 980º; e também nega oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.»

Acresce que, como bem salienta o STJ, no seu acórdão de 21-02-2006 (Oliveira Barros – proc. n.º 05B4168), o requerente está dispensado de fazer prova direta e positiva dos requisitos das al.s b) a e) do Art. 980º. Assim, se em virtude da análise dos autos, ou por conhecimento decorrente do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta dos mesmos, presume-se que existem, não podendo o tribunal negar a confirmação quando, por falta de elementos, lhe seja impossível concluir se os requisitos dessas alíneas se verificam ou não.

A prova de que não se verificam os requisitos das alíneas b) a e) do Art. 980º do C.P.C. compete ao requerido, devendo, em caso de dúvida, considerar-se preenchidos (Vide: Ac. STJ de 12-07-2005, Relator: Moitinho de Almeida, proc. n.º 05B1880).

No que respeita, ao requisito da alínea a), o Tribunal portugês tem de adquirir, documentalmente, a certeza do ato jurídico postulado na decisão revidenda, mesmo que não plasmada em sentença na aceção pátria do conceito, devendo aceitar a prova documental estrangeira que suporte a decisão revidenda, ainda que formalmente não seja um decalque daquilo que na lei interna nacional preenche o conceito de sentença. (cfr. Ac. do STJ de 29-03-2011 (Fonseca Ramos – proc. n.º 214/09.8YRERVR.S1.)

No que tange ao requisito da alínea f) (ordem pública internacional do Estado Português), os princípios da ordem pública internacional do Estado Português são princípios enformadores e orientadores, fundantes da própria ordem jurídica portuguesa, que de tão decisivos que são, jamais podem ceder. Por outro lado, tem-se em vista o resultado concreto da decisão, ou seja, o dispositivo da sentença e não os seus fundamentos (Cfr. Ac.s TRL de 14-11-2006 (Rosa Ribeiro Coelho, proc. n.º 3329/2006-7) e de 13-07-2010 (Rui da Ponte Gomes, proc. n.º 999/09.1YRLSB-8.).

Esclareça-se que a ordem pública internacional do Estado Português não se confunde com a sua ordem pública interna: enquanto esta se reporta ao conjunto de normas imperativas do nosso sistema jurídico, constituindo um limite à autonomia privada e à liberdade contratual, a ordem pública internacional restringe-se aos valores essenciais do Estado português. Só quando os nossos interesses superiores são postos em causa pelo reconhecimento duma sentença estrangeira, considerando o seu resultado, é que não é possível tolerar a declaração do direito efetuada por um sistema jurídico estrangeiro.

Tal significa que só quando o resultado dessa sentença choque flagrantemente com os interesses de primeira linha protegido pelo nosso sistema jurídico é que não se deverá reconhecer a sentença estrangeira (cfr. Ac. TRC de 18-11-2008 (Sílvia Pires, proc. n.º 3/08.7YRCBR) e sobre a ordem pública internacional, cf. ainda Ac.s do STJ de 21-02-2006 (Oliveira Barros, proc. n.º 05B4168); de 26-05-2009 (Paulo Sá, proc. n.º 43/09.9YFLSB), de 23-10-2014 (Granja da Fonseca, proc. n.º 1036/12.4YRLSB.S1), e de 24-07-2017 (Oliveira Vasconcelos, proc. n.º 93/16.YRCBR.S1).

Conforme se refere no Ac. TRC de 03-03-2009 (Jorge Arcanjo, proc. n.º 237/07.1YRCBR): «A lei (…) não define o conceito de ordem pública internacional, tratando-se de um conceito indeterminado, carecido de preenchimento valorativo na análise casuística. O que releva, para o efeito, não são os princípios consagrados na lei estrangeira que servem de base à decisão, mas o resultado da aplicação da lei estrangeira ao caso concreto, ou seja, a reversa de ordem pública internacional visa impedir que a aplicação de uma norma estrangeira, pela via indireta da execução de sentença estrangeira, implique, na situação concreta, um resultado intolerável. Por conseguinte, o juízo de compatibilidade com a ordem pública internacional do Estado Português terá que ser necessariamente aferido, não pelo conteúdo da decisão e o direito nela aplicado, mas pelo resultado do reconhecimento, o que implica um exame global. Não basta, por isso, que a solução dada ao caso pelo direito estrangeiro seja divergente da do direito interno português, exigindo-se que o resultado seja manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (cfr. Lima Pinheiro in “Direito Internacional Privado, vol., pág 584 e segs. vol. III, p.368 e ss.), Marques dos Santos in “Aspetos do novo Código de Processo Civil, Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras, pág 140)».

No caso está em causa o reconhecimento da situação de “união de facto” entre os requerentes, que residiam no Brasil, situação essa reconhecida através de “escritura declaratória de união estável”, nos termos previstos no direito brasileiro.

A questão que se poderia colocar era a de saber se tal “decisão” está sujeita ou não ao processo especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira previsto no Art. 978º e ss. do C.P.C..

Como salientou o STJ no acórdão de 12-07-2005 (Moitinho de Almeida, proc. n.º 05B1880), reportando-se ao Artº 1094º do CPC de 1961, que corresponde ao Art. 978º do CPC atualmente em vigor: «o Art. 1094º do CPC ao referir-se a decisões proferidas por tribunais estrangeiros não elege tanto como critério o órgão de que promana a decisão, mas antes a natureza da decisão, que, se for definitiva e tiver força de caso julgado está sujeita a revisão e confirmação». E no mesmo sentido se pronunciou o Ac. STJ de 25-06-2013 (Granja da Fonseca, proc. n.º 623/12.5YRLSB.S1). Portanto, o facto de a decisão rescindenda não ser uma sentença não obsta, por si só, à procedência da presente ação.

Contudo, outros obstáculos se apresentam à procedência da presente causa.

Com efeito, como bem expôs no Ac. STJ de 21-03-2019 (Ilídio Sacarrão Martins, proc. n.º 559/18.6YRLSB): «No caso dos autos, os requerentes apresentaram na petição inicial a Escritura Pública Declaratória de União Estável lavrada no Cartório do …º Ofício de Notas da Tabeliã CC, perante entidade com competência para o efeito, segundo a lei brasileira.

«Dispõe o artigo 1723º do Código Civil brasileiro, que é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

«O artigo 978º do Código de Processo Civil estabelece a necessidade da revisão nos seguintes termos:

«1 – Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.

«2 – Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.

«Sobre a amplitude do conceito de decisão para efeitos deste processo especial, Luís de Lima Pinheiro escreveu: “por “decisão” entende-se qualquer ato público que segundo a ordem jurídica do Estado de origem tenha força de caso julgado. Há que aferir perante o Direito do Estado de origem se a decisão foi proferida por um órgão público e se tem força de caso julgado”.

«O acórdão do STJ de 25-06-2013 – a propósito da escritura pública prevista no artigo 1125º-A do Código de Processo Civil BRasileiro (Lei nº 5869, de 11-01-1973), através da qual se pode realizar a separação consensual dos cônjuges, e prevista no Artº 1580 do Código Civil Brasileiro -, decidiu que “os outorgantes não declaram a dissolução do vínculo conjugal. Pedem-na e o tabelião (notário) não se limita a testar as suas declarações declara (decide) a dissolução, depois de verificados e preenchidos os requisitos legais”.

«O caso dos presentes autos é diferente. Os não obtiveram na escritura uma decisão homologatória por parte do tablião que possa servir de base à presente revisão. Apenas declaram que “vivem como casados fossem desde 15.03.1992, convivência que se mantém duradoura, pública e contínua”.

«Por conseguinte, estamos perante um simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa, ou seja, de quem haja de decidir sobre os direitos atribuídos ou reconhecidos em Portugal, pelo que a mencionada escritura invocada pelos requerentes, fica excluída do processo de revisão de sentença estrangeira – artigo 980º nº 2 do CPC.

«Num caso muito similar ao dos presentes autos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2019 decidiu:

«O direito brasileiro não exige uma decisão judicial para o reconhecimento da união de facto e o direito português não exige que a prova seja feita por uma declaração da junta de freguesia competente. Em todo o caso, a prova feita por uma declaração da junta de freguesia não tem uma força superior à de uma escritura pública.

«Como escrevem os Professores Francisco Manuel Pereira Coelho  e Guilherme de Oliveira, “A prova de união de facto é normalmente testemunhal; mas a possibilidade de prova documental não deve excluir-se.

Interpretando com largueza o termo vida artº 34º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, que regula o modo como “os atestados de residência, vida e situação económica dos cidadãos” devem ser passados pelas juntas de freguesia, pode admitir-se que a junta de freguesia da residência dos interessados passe atestado comprovativo de que uma pessoa vive ou vivia em união de facto outra. […]

«Não se tratando, porém, normalmente, de facto atestado “com base nas perceções da entidade documentadora” (artº 371º n.º 1, C.Civ), o documento não faz prova plena, podendo provar-se que o facto não é verdadeiro, pois a união de facto não existiu ou não existiu durante determinado período. O documento prova que os interessados dizerem perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente deste certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação”.

«Entre a força probatória da declaração emitida pela junta de freguesia e da escritura pública há uma relação de semelhança — como a declaração emitida pela junta de freguesia, a escritura “prova que os interessados fizeram perante o funcionário a afirmação de que conviviam maritalmente desde certa data, mas não prova que seja verdadeira a afirmação”.

«Terminando, como no referido acórdão de 28.02.2019, “nem a declaração da junta de freguesia prevista pelo direito português nem (muito menos) a escritura declaratória de união estável prevista pela lei brasileira fazem com que o ato composto pelas declarações dos requerentes seja “caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” –  com a consequência de que a escritura declaratória de união estável apresentada pelos Requerentes não pode ser confirmada / revista”.» (sic).

Em sentido idêntico se havia pronunciado o Ac. do STJ 28-02-2019 (Nuno Pinto de Oliveira, proc. n.º 106/18.0YRCBR.S1 (citado no primeiro) e posteriormente no Ac. do STJ 09-05-2019 (Nuno Pinto de Oliveira, proc. n.º 828/185YRLSB.S1). Neste sentido decidiram igualmente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-10-2019 (Teresa Prazeres Pais, proc. n.º 1268/19. 4YRLSB-8).

Cremos ser de acolher o entendimento acima enunciado, por convencerem totalmente os argumentos em que se estribam, os quais se aplicam ao caso concreto.

Ao exposto, acresce que se nos afigura de particular importância especificar qual o interesse em agir das partes neste tipo de ações, pois por regra, estando em causa o reconhecimento duma situação de “união de facto”, não vislumbramos que outra eficácia jurídica própria terão as declarações prestadas perante o notário, para além de servirem de mero meio de prova da existência duma mera situação de facto, à qual a nossa lei também pode reconhecer certos efeitos jurídicos, para certos e determinados casos aí concretizados.

Veja-se, por exemplo, o reconhecimento da existência de união de facto pode obstar a caducidade do direito ao arrendamento para habitação (Art. 57.º n.º 1 al. b) do NRAU), ou pode originar a obrigação de alimentos (Art, 2020.º do C.C.). Mas, em qualquer desses casos, a que poderemos adotar outros quantos previstos no Art. 3.º da Lei 7/2001 de 11 de maio, a “escritura declaratória de união estável” mais não valerá que de meio de prova, pois não tem a virtualidade de, só por si, atribuir qualquer direito ao “unido de facto”.

O mesmo se passa com aquelas situações em que a lei nacional exige a instauração de ações judiciais, ou procedimentos administrativos próprios, destinados a provar a existência da união de facto, com vista a atribuir um específico benefício.

Veja-se que, nos termos do Art. 3.º al. e) da Lei n.º 7/2001 de 11/5, a nossa lei reconhece o direito às prestações sociais por morte relativamente a pessoas que vivam em união de facto com um beneficiário de Segurança Social. Anteriormente, o acesso a esse direito estava dependente da ação judicial a instaurar nos tribunais cíveis (v.g. Art. 3.º do Decreto-Regulamentar n.º 1/94 de 18/1, posteriormente Art. 6.º do Dec.Lei n.º 135/99 de 28/8). Atualmente, desde as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010 de 30/8, o mesmo direito deixou de depender de ação judicial, ficando a atribuição das prestações sociais por morte apenas dependentes de procedimento administrativo interno, a correr junto da instituição de Segurança Social competente, que terá por propósito apurar apenas a existência duma situação de união de facto. Isto, porque, nos termos da nova redação do Art. 6º da Lei n.º 7/2001 de 11/5, introduzida precisamente pela Lei n.º 23/2010 de 30/8, o membro da união de facto sobrevivo beneficia sempre dos direito aos benefícios relativos a prestações por morte de beneficiário de instituição de segurança social, independentemente da necessidade de alimentos, competindo à entidade responsável pelo pagamento dessas prestações a instauração de ação contra o requerente do benefício, quando tenha fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto. Ora, neste caso, é evidente que é completamente desnecessária a instauração de ação de revisão e confirmação de sentença (ou de ato notarial estrangeiro) onde se reconheça uma situação de união de facto, como meio de prova do facto impeditivo do direito do Autor. Trata-se de meio processual desnecessário e inadequado ao fim visado alcançar.

Outro caso, semelhante a este último, é o do reconhecimento de união de facto para efeitos de obtenção da nacionalidade portuguesa, que foi a finalidade invocada pelos Requerentes no caso concreto dos autos. É que, nos termos do disposto no Art. 3º n.º 3 da Lei de Nacionalidade (aprovada pela Lei n.º 37/81 de 2 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94 de 19/8; pelo Dec.Lei n.º 322-A/2001, de 14/12; pela Lei Orgânica n.º 1/2004 de 15/1; pela Lei Orgânica n.º 2/2006 de 17/4; pela Lei Orgânica de 3/7; pela Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29/7; pela Lei Orgânica n.º 8/2015 de 22/6; pela Lei Orgânica n.º 9/2015 de 29/7; e pela Lei Orgânica n.º 2/2018 de 5/7) o reconhecimento da união de facto para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa só pode fazer-se através de ação judicial a interpor no tribunal cível (de primeira instância), contra o Estado Português (vide: Ac. do TRL de 25-10-2018 – Adeodato Brotas, proc. n.º 25835/17.1T8LSB.L1-6). Esse tipo de ação judicial pressupõe a demonstração judicial dos factos em que se estriba o pedido, com amplo contraditório, razão pela qual a ação de revisão e confirmação de sentença estrangeira revela-se meio de processual inadequado para atingir tal desiderato (Neste sentido: Ac. do TRP de 18-12-2018 – Ana Paula Amorim, proc. n.º 184/18.1YPRT). Ora, foi esse o interesse em agir que os Requerentes revelaram nas suas alegações.

Em suma, não só julgamos que a presente ação é meio processual inadequado a cumprir o requisito previsto no Art. 3.º n.º da Lei da Nacionalidade, como fundamentalmente não vemos como pela presente ação as partes possam obter o reconhecimento de efeito jurídico relevante para a nossa ordem jurídica que não prescinda doutra ação judicial ou doutro procedimento administrativo ou legal, porquanto estará sempre em causa, apenas e só, um mero de meio de prova sobre uma situação de facto a que a lei, pontualmente, vai atribuindo determinados efeitos jurídicos. Ora, o documento, “escritura declaratória de união estável”, vale por si só, como meio de prova, não sendo finalidade típica da ação de revisão de sentença estrangeira o reconhecimento da autenticidade de meios de prova.

 

 

V- DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a presente ação totalmente improcedente, indeferindo o pedido de revisão e confirmação de sentença

  • Custas pelos Requerentes (Art. 547.º do C.P.C. e Artigo 14º-A, alínea b), do RCP).

 

Lisboa, 10 de maio de 2022

Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator

Relator: Carlos Oliveira

1.º Adjunto: Diogo Ravara

2.ª Adjunta: Ana Rodrigues da Silva

 

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Filhos de estrangeiros nascidos em Portugal

Dispõe o artº 1º, 1 al f) da Lei da Nacionalidade que são portugueses de origem ”

f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, que não declarem não querer ser portugueses, desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores resida legalmente no território português, ou aqui resida, independentemente do título, há pelo menos um ano.”

Os únicos pressupostos para a atribuição da nacionalidade são:

  1. Que nenhum dos progenitores resida em Portugal ao serviço do Estado da sua nacionalidade;
  2. Que os progenitores não declarem que não querem que o menor adquira a nacionalidade portuguesa;
  3. Que um dos progenitores resida legalmente  em Portugal ou que aqui resida, ainda que sem titulo, há mais de um ano na data do nascimento.

O normativo do artº 1º,1 al. f) da Lei da Nacionalidade sofreu  diversas alterações, nomeadamente nas reformas de 2018 e 2020, todas no sentido do reforço do princípio dos jus soli.

São portugueses, por força da lei, todos aqueles relativamente aos quais se preencham os identificados pressupostos, mesmo que, entretanto, tenham deixado de residir no país.

 

Um parecer recentemente homologado pela Presidente do IRN vem clarificar que podem requerer a atribuição da nacionalidade todos os que tenham nascido em Portugal e relativamente aos quais se encontrem preenchidas tais condições.

Parecer R.C. 1-2020 STJSR-CC

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Atualização do site da nacionalidade

Atualizamos o nosso site, à luz das alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2020, de 11 de novembro.

Aqui está um resumo dos principais caminhos.

Veja. também quem conservou e quem perdeu a nacionalidade.

A leis da nacionalidade portuguesa distinguem, no essencial, os seguintes grupos, no que se refere à natureza do processo de aquisição da nacionalidade:

A atribuição da nacionalidade retroage à data do nascimento, enquanto os atos de aquisição voluntária ou por adoção, bem como a aquisição da nacionalidade por naturalização produzem efeitos apenas depois do ato do registo do nascimento no registo civil português.

A nacionalidade portuguesa prova-se pela inscrição do registo do nascimento no registo civil português, com as especificidades, para cada tipo de aquisição, que são estabelecidas na lei.

Para facilitar a consulta, organizamos a informação nos seguintes grupos:

Atribuição na nacionalidade portuguesa originária

Aquisição da nacionalidade portuguesa por menores ou incapazes

Aquisição da nacionalidade portuguesa pelo casamento ou por união de facto com nacional português

Aquisição da nacionalidade portuguesa pelos que a perderam quando eram incapazes

Aquisição da nacionalidade por adoção

Aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização

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As alterações à Lei da Nacionalidade entraram em vigor a 11 de novembro de 2020

As alterações à Lei da Nacionalidade Portuguesa,  já foram publicadas na Lei Orgânica nº 2/201o, de 10 de novembro,

Por determinação expressa desta lei orgânica, no seu artº 5º, a mesma entrou em vigou no dia seguinte ao da publicação, ou seja a 11 de novembro de 2020.

Dispõe o artº 3º:

“1 – O Governo procede às necessárias alterações do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, no prazo de 90 dias a contar da publicação da presente lei.
2 – No prazo previsto no número anterior, o Governo procede à alteração do artigo 24.º-A do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, que regulamenta o disposto no n.º 7 do artigo 6.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, para garantir, no momento do pedido, o cumprimento efetivo de requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal.”

Este normativo não prejudica a entrada em vigor da Lei Orgânica no dia 11 de novembro.

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Aprovadas as alterações à Lei da Nacionalidade

 

A Assembleia da República  aprovou as alterações à Lei da Nacionalidade, nos termos constantes do documento a que pode aceder por aqui.

A síntese das alterações pode encontrar-se no  relatório da Comissão  de Assuntos Constitucionais,  Direitos, Liberdades e Garantias, que aqui divulgamos

Este processo legislativo foi iniciado com um conjunto de iniciativas que reportamos no Blog da Nacionalidade, mais precisamente sob os títulos A Reforma da Lei da Nacionalidade 2019.

Escrevemos, na altura, uma Síntese da Reforma de 2019.

O relatório agora publicado permite adivinhar o sentido final da reforma, se o Parlamento vier a confirmar o que foi votado na Comissão.

As alterações à Lei da Nacionalidade são, obrigatoriamente sujeitas à forma de lei orgânica, carecendo da aprovação da maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.

Publicaremos brevemente os nossos comentários às propostas que vão ser sujeitas a votação do Parlamento.

Acompanhe aqui todo o processo legislativo.

 

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Cidadania portuguesa

São cidadãos portugueses as pessoas que a lei qualifique como nacionais portugueses.

Artº 4º da Constituição da República

Cidadania portuguesa

São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional.

 

Anotação

A Constituição usa a expressão “cidadania” para ser referir à qualidade de “cidadão português”.

 

Referências:

Constituição de 1822, artºs 21º e 23º

Constituição de 1826, artºs 7º e 8º

Constituição de 1838, artº 6º e 7º

Constituição de 1911, artº 74º

Constituição de 1933, artº 7º

 

 J.J. CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. 1

A Constituição procede à definição do substrato pessoal da República soberana e do Estado democrático, tratando da cidadania portuguesa.

Esses autores anotam que, tal como nas constituições de 1911 e de 1933, também o constituinte de 1976 se absteve de qualquer definição material da cidadania portuguesa.

Segundo estes autores, o facto de a Constituição ter remetido para a lei ordinária e para as convenções internacionais a definição dos critérios da cidadania portuguesa não implica uma total liberdade de definição, não sendo admissivel uma solução arbitrária.

Consideram CANOTILHO e  MOREIRA que há-de existir uma conexão relevante (efettive link) entre o cidadão português e Portugal (por exemplo, nascimento em teritório português ou sob administração portuguesa, filiação de portugueses, casamento com português).

Ver. também, RUI MOURA RAMOS, Do Direito da Nacionalidade Portuguesa, Coimbra Editora, 1992

As fontes da cidadania portuguesa são as leis e as convenções internacionais.

As leis portuguesas mais relevantes são as seguintes:

a)     O Código Civil de 1867

b)     A Lei nº 2098, de 27 de julho de 1959

c)     A Lei nº 2112, de 17 de fevereiro de 1962

d)    O Decreto n.º 206/75, que aprova, para ratificação, o Tratado entre a Índia e Portugal Relativo ao Reconhecimento da Soberania da Índia sobre Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar Aveli e Assuntos Correlativos

e)     Os tratados que regularam os processos de descolonização da Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Principe, Angola, Moçambique e Timor;

f)      O tratado que regulou a entrega de Macau à China.

Anotação de Miguel Reis

 

 

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Reflexões sobre a nacionalidade portuguesa

Nota prévia do que será um livro…

 

Ainda me repartia entre o jornalismo e a advocacia quando foi aprovada a Lei nº 37/81, de 3 de outubro.

Foi uma enorme viragem, por relação ao modelo da Lei nº 2098, de 29 de julho de 1959, que afirmava uma lógica intrínseca de jus soli, posta em causa, meia dúzia de anos antes pela descolonização.

Os retornados – assim eram chamados os que fugiram das ex-colónias –  tinham sido portugueses, por força do Código de Seabra, de 1867, ou da Lei nº 2098, de 1959. Mas aqueles que não tivessem ascendente nascido no Continente ou nas Ilhas Adjacentes até ao terceiro grau, ou que não fossem descendentes de cidadão nascido no Estado da Índia, perdiam a nacionalidade portuguesa[1].

Ainda hoje me interrogo acerca das razões que levaram o legislador de 1975 a conferir tais privilégios aos descendentes dos nascidos no Estado da Índia, em pé de igualdade com os descendentes dos continentais e dos portugueses das Ilhas.

Interrogo-me também porque foram tão brutalmente marginalizados os Portugueses da Guiné-Bissau, de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe, de Angola e de Moçambique.[2]

 

Muitos desses retornados nem sequer se aperceberam que tinham passado a ser apátridas. E poucos foram os que, depois da entrada em vigor da nova lei, tomaram imediata consciência de que os seus filhos, mesmo que nascidos em Portugal, não eram portugueses.

A descolonização teve aspetos menos felizes…

Na versão originária da Lei da Nacionalidade, previa-se, na al. d) do artº 1º,1 que eram portugueses de origem “os indivíduos nascidos em território português quando não possuissem outra nacionalidade”.

Porém, na prática, era quase impossível obter esse estatuto para as crianças dos retornados  que tivessem perdido a nacionalidade portuguesa e adquirido a nacionalidade dos novos países de expressão portuguesa.

Aliás, esse mesmo síndrome ainda hoje existe, de forma mais ou menos institucionalizada, relativamente aos filhos de nacionais brasileiros nascidos em território português, os quais são portugueses de origem se não forem registados no consulado do Brasil. Mas se os progenitores os registarem no consulado brasileiro, ou em repartição de registo brasileira, não adquirem a nacionalidade portuguesa.

Em muitas situações, os progenitores optam por registar as crianças no registo civil português,  recusando-se, como é seu direito, a registá-las no consulado brasileiro.

Porém, apesar de a lei ser clara e inequívoca, conferindo a esses cidadãos a nacionalidade portuguesa originária, porque nasceram em território português e não têm outra nacionalidade, os serviços de registo oferecem as maiores dificuldades e jogam forte, de forma que consideramos ilegal, na apatridia dos mais resistentes.

Sem dúvida que a autoridades  brasileiras adotam posição mais civilizada, relativamente aos filhos dos portugueses nascidos no Brasil, que não forçam  a que sejam  registados nos consulados de Portugal, deixando essa decisão ao livre arbítrio dos pais.

Há “coisas” em que o Brasil respeita melhor os direitos humanos do que Portugal – e esta da nacionalidade de quem nasce no respetivo território e não tem outra nacionalidade é uma delas.

O Brasil nunca criou nenhuma dificuldade à aquisição da cidadania brasileira aos filhos de estrangeiros nascidos no seu território.

Na vigência da lei atual, Portugal denegou a atribuição da nacionalidade a milhares de filhos de estrangeiros,  nascidos em território português, forçando-os a inscrever-se nos consulados dos países da nacionalide dos pais, para não ficarem prisioneiros, em Portugal, sem passaporte.

O Brasil nunca procedeu de forma tão bárbara.

 

***

A Lei da Nacionalidade de 1981 sofreu muitas alterações desde a sua publicação, em outubro desse ano. Globalmente, essas alterações foram positivas.

A Universidade continuou a difundir conhecimento e a trabalhar a doutrina na área do direito internacional privado, que é a mais relevante no que toca às questões da nacionalidade e do registo civil.

Infelizmente, piorou, de forma muito grave, o funcionamento dos serviços dos registos e do notariado e dos serviços consulares.

Podemos afirmar, sem margem para dúvidas, que nunca os serviços do registo civil funcionaram tão mal, como funcionam em 2020, data em que escrevo esta nota.

A falta de pessoal e a impreparação de muitos dos funcionários têm vindo a gerar fatores críticos que podem pôr em risco o estatuto da nacionalidade portuguesa e – mais grave do que isso – a credibilidade do nosso sistema de registos.

Ser nacional português é, não só, ter uma relação de pertinência por relação à comunidade portuguesa e ao Estado português mas também ser cidadão da União Europeia, com todos os direitos que emergem dos tratados.

Para além da questão da identidade, relevam na aquisição da qualidade de nacional português problemas de segurança que, por si só, justificam especiais cuidados e cautelas.

Não nos referimos a promessas, geralmente viciadas ou sem fundamento,  como são muitas das associadas aos chamados “vistos Gold”, por via das quais poderia ser concedida a nacionalidade portuguesa a um qualquer terrorista que investisse meio milhão de euros em Portugal.

Referimo-nos a toda a segurança documental e à necessidade de melhorar a segurança dos documentos por processos modernos, em vez se se simular a própria segurança e de se alimentar uma verdadeira indústria de falsificação, que põe em causa a crebilidade dos nossos próprios documentos.

Foi para reduzir esses riscos que a Lei nº 2049, de 6 de agosto de 1951, criou o Registo Central da Nacionalidade, centralizando o registo da nacionalidade dos nascidos no estrangeiro na Conservatória dos Registos Centrais.[3]

O maior golpe na credibilidade dos registos, no tocante ao registo civil em geral e ao registo de atos da nacionalidade em especial, foi cometido pelo Decreto-Lei nº 327/2007, de  28 de setembro, por maior que tenham sido a boa fé dos seus autores, cujo projeto era muito mais amplo, mas foi parado pelas mudanças políticas.

Esse diploma alterou os artºs 16º e 17º do Código do Registo Civil.

Passou a dizer o artº 16º:

1 – Os processos e documentos que serviram de base à realização de registos, ou que lhes respeitem, são arquivados, devendo o arquivo ser efectuado por via electrónica, nos termos a determinar pelo presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.)

2 – Os documentos físicos arquivados nas conservatórias só podem ser retirados das mesmas mediante autorização do presidente do IRN, I. P., salvo caso de força maior ou noutros casos expressamente previstos na lei.

Mas, logo a seguir, determina o artº 17º,1:

“Todos os documentos que tenham sido digitalizados devem ser destruídos imediatamente.”

É por demais óbvio que a destruição impede a prova das falsificações e milita a favor de uma indústria de falsificação de documentos, que se afirma, associada a fórmulas tradicionais de corrupção.[4]

A descentralização dos serviços de registo e a possibilidade de atos de nacionalidade serem requeridos e processados, sem nenhum controlo, nos consulados e em conservatórias de registo civil, onde, por regra, não existem funcionários qualificados para o tratamento das questões mais delicadas, facilitaram o crescimento da procuradoria ilícita, que assume uma especial gravidade nesta área.

Explico: enquanto um advogado ou um solicitador é responsável pela qualidade dos documentos que apresenta, capeados por um requerimento que assina, o procurador ilícito nem se sabe quem e escapa sempre impune.

Tudo é ainda mais fácil se os próprios “funcionários consulares”, forem falsos, como são nalgumas repartições.

Denunciamos essa realidade ao Ministério Público e o Sr. Procurador responsável pelo processo considerou que se os verdadeiros funcionários emprestaram os seus logins e passwords a falsos funcionários legitimaram as falsificações.

Na minha modesta opinião são falsos todos os documentos fabricados com uso de logins e passwords de funcionários consulares por pessoas que não são funcionários e que, nos casos conhecidos, são, na maioria estrangeiros não qualificados.

Escandalizado com essa situação, escrevi uma carta ao Presidente da Assembleia da República, que nada respondeu, sendo, por isso, conivente com as referidas falsificações, que agora serão de muitos milhares, porque há indícios de que também se fazem noutros consulados.

A questão da nacionalidade portuguesa é das mais delicadas do nosso sistema jurídico, suscitanto problemas para cuja resolução é indispensável uma sólida formação jurídica em diversas áreas, que vão do direito internacional privado ao direito da família e ao direito registral.

É absolutamente intolerável que os consulados, que não têm competência própria para atos de registo e de nacionalidade abusem, como estão a abusar dos seus poderes e das suas competências, até porque não têm pessoal especializado para atuar nessas áreas.[5]

Chegou-se ao ponto de a nacionalidade portuguesa ser vendida em lojas de centros comerciais e de haver contas de milhões denunciadas pela imprensa, que ninguém sabe como foram geradas.

O que era simples quando tratado por operadores competentes – advogados de um lado e funcionários do outro – transformou-se num caos, com o alto patrocínio do Instituto dos Registos e do Notariado, que, para além de não denunciar a procuradoria ilícita até arranjou um modelo de requerimento para ajudar os procuradores ilícitos.

Milhares de operadores não qualificados prestam serviços de procuradoria ilícita a descendentes de portugueses sem que a Administração Tributária questione se pagam ou não pagam impostos.

Claro que é muito difícil a prova de que os procuradores ilícitos corrompem os funcionários. Certo é que não há nenhuma razoabilidade que explique por que razões eles aceitam dar andamento aos papéis que os mesmos entregam sem requerimentos.

Essa é, quiçá, a maior chaga dos serviços de registo, que parecem montados e estruturados para facilitar golpes e falsificações.

Isto é tanto mais grave quanto é certo que a densidade das questões suscitadas nesta matéria é enorme, como é próprio das questões do direito internacional privado.

Nessa matéria, o disparate tem crescido todos os dias, apesar dos arrastamentos dos processos e de regras de organização tão estúpidas como é a de afirmar um princípio de igualdade que justifica que se trate da mesma forma um requerimento perfeito, elaborado por advogado competente ou um molho de papéis sem requerimento e sem pedido, apresentado por um qualquer “despachante” ou “agente” sem qualificação.

E assim chegamos à miserável situação que nos mostra processos bem instruídos à espera de um despacho por períodos muitas vezes superiores a um ano.

Isso é tanto mais paradoxal quanto é certo que o atual primeiro ministro, António Costa,  foi, enquanto ministro da Justiça,  o principal autor do Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado, em cujo preâmbulo se lê o seguiz`nte:

“Foi então possível desenvolver o trabalho de apuramento do custo efectivo de cada acto notarial e registral, base de construção de nova tabela, de acordo com o princípio de proporcionalidade.

Ora, o presente Regulamento Emolumentar foi organizado numericamente (..) de forma a permitir uma avaliação on time da proveniência dos fluxos de receita, o que possibilitará, pela primeira vez, uma verdadeira gestão do tributo.

Este novo sistema permitirá, pois, a actualização atempada dos montantes das taxas previstos, garantindo a proporcionalidade da tributação pela sistemática e permanente actualização dos tipos de receita relativamente aos fluxos de despesa verificados ano a ano, bem como a avaliação da receita cessante derivada da existência de isenções ou reduções emolumentares.”

O regime emolumentar dos registos e do notariado, introduzido pelo Decreto-Lei nº DL n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, foi desenhado para que os utentes paguem a totalidade do preço.

Num debate parlamentar realizado no dia 16 de maio de 2017, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, esclareceu que um conservador da Conservatória dos Registos Centrais processa anualmente entre 10.000 e 15.000 registos de nascimento atributivos de nacionalidade.

Se assim for, recebe o Estado, se forem processos de atribuição de nacionalidade de adultos entre 1.750.000 € e 1.925.000 €, por cada conservador.

Um negócio fantástico.

O que é, realmente caro, não é o processamento do registo; é a defesa dos direitos, perante as dificuldades e os obstáculos criados pelos funcionários que só têm um sentido: criar difuldades para vender facilidades.

A coisa mais chocante que há no registo civil é a embirração, emergente da prepotência, que é a mãe de toda a corrupção.

Há anos que muitos de nós, perante a embirração, albardamos o burro à vontade do dono e nos acobardamos perante a camarilha do IRN, como se estivéssemos perante um deus todo-poderoso.

Andamos anos a albardar do burro à vontade do dono e quando isso não é viável, por vezes, desistimos e começamos tudo de novo, geralmente com os mesmos documentos e os mesmos passos.

Paradoxal é que, quase por regra, o segundo processo é despachado em tempo record, sem quaisquer reservas.

Como disse a ministra da Justiça no debate parlamentar de 16 de maio de 2017, um dos problemas do regime jurídico da nacionalidade reside na sua densificação jurídica.

É verdade: as questões jurídicas suscitadas no âmbito do regime jurídico da nacionalidade portuguesa são densas e complexas.

Devem ser tratadas por juristas e não por curiosos, como vem acontecendo, cada vez mais.

O melhor exemplo disso reside na constatação de que foram necessários mais de 10 anos para que o Supremo Tribunal Administrativo tivesse concluído, em acórdãos de uniformização de jurisprudência, que não é exigível aos requerentes da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade ou por adoção que façam prova de qualquer ligação à comunidade nacional.[6]

Apesar das alterações legislativas – e de não ser exigível a apresentação de qualquer prova de ligação à comunidade nacional exceto no quadro da atribuição da nacionalidade a netos – as repartições de registo e os consulados continual a exigir tais provas, sem nenhuma base legal.

É o ridículo, sempre de mãos dadas com a ignorância, a culminar com o retrocesso que constitui a ressurreição do conceito criptofascista de “ligação efetiva à comunidade nacional”, mas, mirabile visu, mas apenas para os netos de nacionais portugueses, a quem se confere um direito à atribuição da nacionalidade, marcadamente jus sanguinis.[7]

Enquanto no regime do artº 6º,4 da Lei da Nacionalidade, o neto de português era titular de uma verdadeiro direito potestativo à naturalização, que não lhe podia ser negada pelo governo, agora é sujeito a uma prova de ligação efetiva à comunidade nacional, marcadamente discriminatória e assente em critérios de discricionariedade.

Andamos, verdadeiramente, de cavalo para burro, pois que pode ter sido inutilizada a hipótese de aquisição da nacionalidade por naturalização aos netos de nacionais portugueses, exceto se eles forem residentes em Portugal ou adquirirem imoveis no país.

O neto do portugués muito dificilmente consegue fazer prova de ligação à comunidade nacional, exceto se fixar residência no país.

É bom que se diga que este conceito de “ligação efetiva à comunidade nacional” é um conceito rançoso, que, durante anos e anos foi motivo de chacota nos quatro cantos do mundo.

Do mesmo modo que se dizia que a TAP se distinguia das outras companhias porque tinha cabelos debaixo das asas, afirmava-se, jocosamente, que as estrangeiras que casassem com portugueses tinham a obrigação de aprendar a dançar o vira e o corridinho e de saber pôr um lenço negro na cabeça.

Alguns iam mesmo mais longe, sugerindo que não deveriam depilar-se nem usar cuecas, para poderem mijar de pé, como, ainda hoje, fazem as nossas mais genuínas velhas, do interior do País.

Tudo isso a provar testemunhalmente, como é óbvio, desconsiderando o ridículo, que afeta isto tudo.

Sendo embora uma figura de retórica do discurso da ditadura, esse conceito de “ligação efetiva à comunidade nacional” – nunca vigorou na ordem jurídica portuguesa antes da reforma de 1981.

O legislador da ditadura sempre entendeu manter um quadro difuso de reação à indesejabilidade.

Enquanto, no tempo da ditadura, o governo podia opor-se tanto à atribuição como à aquisição da nacionalidade (Base XXV da Lei nº 2098) e a lei determinava quadros específicos de  perda da nacionalidade (Base XVIII e seguintes), a lei de 1981 adotou um quadro manifestamente moderado de oposição à aquisição da nacionalidade por efeitos da vontade ou por adoção.

Na versão originária da lei, dizia o artº 9º:

Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

a) A manifesta inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;

b) A prática de crime punível com pena maior, segundo a lei portuguesa.

c) O exercício de funções públicas sem caráter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.

A al. c) é manifestamente uma influência do texto da Lei nº 2098, de 29/07/1959.

A al. a) foi alterada, em 1994, pasando a ter o seguinte texto:

  1. A não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional.

Passou a ser exigida a prova de ligação à comunidade nacional.

Em 2006 foram introduzidas profundas alterações na Lei da Nacionalidade, por via da Lei Orgânica nº 2/2006, passando a al. a) a ter, de novo, a redação originária.

A al. a) mesmo na sua versão mais soft é uma espécie de válvula de escape para rejeitar na sociedade portuguesa os familiares estrangeiros dos portugueses.

É como se Portugal esquecesse que é europeu e tivesse medo de receber os descendentes dos Portugueses no território reduzido que tem.

Só em 2016, o Supremo Tribunal Administrativo veio declarar que os requerentes da nacionalidade por efeito da vontade ou por adoção não  estão obrigados a fazer prova de ligação efetiva à comunidade nacional.

É ao Ministério Público que incumbe o ónus de provar a inexistência de ligação à comunidade nacional.

Quando o fantasma estava morto, eis que o ressuscitam, passando a exigir-se, de novo, uma avaliação da “ligação efetiva à comunidade nacional”.

As soluções do Decreto-Lei nº 71/2017, de 21 de junho, são muito más a vários títulos, constituindo um retrocesso grotesco, por relação à versão precedente do regime jurídico da aquisição da nacionalidade portuguesa por netos de nacional portugueses.

É certo que o presente já vinha envenenado da Lei Orgânica nº 9/2015, de 29 de julho.

Mas não era preciso ir tão longe na humilhação aos descendentes dos nacionais portugueses nascidos no estrangeiro, sobretudo aos que não falam português, quiçá pelo facto de os sucessivos governos terem investido muito pouco no ensino da língua portuguesa.

Não passam de exercícios grotesco de xenofobia as presunções dos artº 10º-A e 56º,3 e do Regulamento da Nacionalidade, alterados pela reforma de 2017.

Esta reforma de 2017 é muito mais anti-cafreal do que europeia, o que, sinceramente, lastimo.

A propósito, escrevi ao Primeiro Ministro, lastimando que o novo regulamento prejudicasse tanto os portugueses que já não dominam a língua, em desfavor dos lusófonos, mas talvez tenha sido pior a emenda do que o soneto.[8]

A solução foi prejudicar também os lusófonos. Uma tristeza. As anotações, algumas com um suave veneno, estão aí.

Discute-se no Parlamento uma alteração ao artº 6º,7, visando exigir aos descendentes de judeus sefarditas portugueses provas de ligação à comunidade nacional.

É um nonsense. O que é importante é respeitar a História; e a História só se respeita com a verdade histórica que passa, neste quadro, pela demonstração inequivoca de que o requerente é descendente de um judeu sefardita português.

Portugal, com mais de 800 anos de História, vocaciona-se para ser eterno.

Para sermos felizes, precisamos apenas que nos reconheçam a nossa identidade e que respeitem os nossos documentos, coisa que nunca teve a importância que tem hoje.

Oxalá que nos ouçam.

 

Lisboa, julho de  2019

 

Miguel Reis

 

[1] Cf. Decreto-Lei nº 308-A/75, de 24 de junho, infra

[2] Sobre esta problemática ver MOURA RAMOS, Estudos de Direito Português da Nacionalidade, Coimbra Editora, pag. 63

[3] Teoricamente existe mas ninguém sabe onde.

[4] Tomar em consideração, especialmente, os artºs 446º e seguintes do Código de Processo Civil e o artº 368º do Código Civil, associado ao artº 365º.

[5] O artº 9º do Código do Registo Civil dispõe, expressamente, o seguinte:

1 – A título excepcional, podem desempenhar funções de registo civil:

a) Os agentes diplomáticos e consulares portugueses em país estrangeiro;

b) Os comissários de marinha dos navios do Estado, os capitães, mestres ou patrões nas embarcações particulares portuguesas e os comandantes das aeronaves nacionais;

c) As entidades designadas nos regulamentos militares

d) Quaisquer indivíduos nos casos especialmente previstos na lei.

 

[6] Processos nºs 1264/15 e 201/15 da 5ª Secção, Pleno do STA

[7] Referimo-nos às soluções do Decreto-Lei nº 71/2017 de 21 de junho

[8] Em 22/2/2017 escrevi o seguinte:

Acabo de ler o projeto de decreto-lei que visa a alteração do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa.

Estou chocado, porque se trata de um documento de péssima qualidade técnico-jurídica, que vai emprestar novas dificuldades a um edifício que, apesar de tudo, têm alguma coerência – o das leis da nacionalidade.

Mas, mais grave do que isso, é um documento com toques racistas e neocolonialistas, que reputo inaceitáveis.

Já tivemos problemas (que conduziram à alteração da lei) por ter sido considerado que a exigência de provas de ligação à comunidade nacional assentava numa lógica xenófoba.

Inverteu-se, por isso, o ónus da prova e tivemos recentemente o reconhecimento da razão pelo Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de uniformização de jurisprudência: não têm os requerentes que fazer prova de ligação efetiva à comunidade nacional; é ao Ministério Público que incumbe a prova da inexistência de ligação à comunidade nacional.

O projeto de diploma ressuscita todos os velhos fantasmas e afirma-se como uma machadada  nas conquistas dos cônjuges de nacionais portugueses e dos descendentes de portugueses de algumas comunidades onde o investimento na língua tem sido medíocre.

Este diploma discrimina, de forma especialmente negativa, os descendentes dos portugueses de Goa, Damão e Diu, especialmente os da “Diáspora Goesa”, que estão espalhados entre o Médio Oriente e a Austrália, em países de língua inglesa.

As autoridades de 1975 tiveram a sensibilidade suficiente para os discriminar positivamente, pois que, no quadro da descolonização, mantiveram a nacionalidade portuguesa todos os que eram bisnetos de cidadãos nascidos em Goa, Damão e Diu.

O projeto, em vez de por termo à discriminação entre os netos de portugueses realça-a, em termos que favorecem os que dominam a língua portuguesa e prejudicam os que a não dominam, como  se isso fosse essencial.

Se isto não é xenofobia, digam-me o que é xenofobia…

Há milhões de portugueses como nós que não falam português, porque não têm escolas. O Estado não deve sancioná-los por causa disso.

Estão nesse grupo muitos dos portugueses de França e da Alemanha, do Reino Unido e da Africa do Sul, mas também da Venezuela, da Austrália e do Canadá.

Apesar de ser de uma família marrana, acho absolutamente chocante que se exija o conhecimento da língua portuguesa aos netos dos portugueses de Goa, quando a mesma exigência não é feita aos descendentes dos judeus sefarditas, que saíram de Portugal… depois de 1492.

Já mataram Malaca e nada fizeram para ressuscitar Goa, onde se vive um dos mais interessantes estados de tensão plurinacional que conheço no Mundo.

Não acabem com o resto de forma tão grosseira.

Anexo um exemplar de um livrinho que escrevi, em língua inglesa, para os Portugueses de Goa.

Fico à disposição do seu Governo para ajudar no que a minha experiência de mais de 20 anos na Diáspora possa ser útil.”

 

 

 

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Dedicatória

Dedicatória destas notas:

Aos 20 milhões de portugueses e lusodescendentes espalhados pelas quatro partidas do Mundo.

Aos que, nos últimos 30 anos, me têm acompanhado no sofrimento da luta pela identidade dos meus compatriotas.

Às vitimas da falsificação de documentos.

A todos os que são humilhados pelos serviços do Instituto dos Registos e do Notariado.

Aos meus Colegas, diariamente ofendidos pela prepotência e pela violação das leis.

A todas as vítimas da xenofobia, incluindo esses meus Colegas, que sofrem na pele o desrespeito pela sua dignidade profissional.

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A questão da nacionalidade dos descendentes de judeus sefarditas portugueses

 

   

Acompanhei com muito interesse o debate que deu origem à Lei Orgânica nº 1/2013, de 29 de julho, que alterou o artº 6º da Lei da Nacionalidade Portuguesa, adicionando-lhe o nº 7, em que se determina que “O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.o 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral”.

 Em boa verdade, esta alteração legislativa parecia ser inútil, pois que o artº 6º,6 já determinava que “o Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.”[1]

Sempre entendi que os descendentes de judeus sefarditas portugueses – tal como enquadrados no debate da Lei Orgânica 1/2013, de 29 de julho e nos diversos documentos de suporte das propostas de lei se enquadravam no quadro dos “membros de comunidades de ascendência portuguesa” latu sensu.

Fui, na altura, convencido pelo discurso dos que então reconheciam a ineficácia de todos os procedimentos no quadro do artº 6º,6 e pela afirmação de a “homenagem à História” exigia que a mesma fosse reescrita e que as vítimas da Inquisição, porque foram as que mais sofreram lhe erguessem um edifício.

Cheguei, na época, a defender que tanto as pessoas a que se refere o artº 6º,6 como aquelas a que se refere o artº 6º,7 deveriam admitidas na comunidades portuguesa como “portugueses de origem”, na mesma linha da qualificação dos “cidadãos portuguezes“ do artº 18º do Código de Seabra.

Sugeri que se adicionasse uma alínea ao artº 1º da Lei da Nacionalidade Portuguesa, na qual se dispusesse que “são portugueses de origem os descendentes de judeus sefarditas portugueses que comprovem documentalmente essa qualidade”.

Tanto no modelo que foi adotado – e que é mau – como naquele que, do meu ponto de vista melhor se homenagearia a História, há um elemento essencial: a prova documental da descendência de judeu sefardita português.

A perseguição dos judeus a partir de 1492 não apagou a suas memórias, nem as memórias das suas famílias, que, na generalidade das situações foram preservadas ou pelas comunidades judaicas ou por outras comunidades, em que os descendentes dos perseguidos se integraram.

O sangue nos mártires e dos perseguidos deixou marcas na História que não são unívocas e não podem ser equivocas.

Vale isto para dizer que a interpretação da lei não deve ser discriminatória ao ponto de impedir, pela via processual, o acesso à nacionalidade portuguesa dos descendentes  de judeus sefarditas portugueses que se tenham afastado, ao longo dos mais 500 anos que passaram, da tradição ou da integração numa comunidade sefardita de origem portuguesa.

Não há nenhum problema nem com o número dos requerentes nem com essa perversão cripto-fascista que consiste na pretensão da exigência de prova de uma ligação efetiva à comunidade nacional.

Recorda-se que esse conceito foi inventado, no tempo de Salazar, para suportar a perda da nacionalidade portuguesa, nos termos da Base XX, da Lei nº 2098, de 29 de julho, que dispunha o seguinte:

Por deliberação do  Conselho de Ministros, pode o Governo decretar a perda da nacionalidade (…) aos portugueses havidos como nacionais de outro Estado que, principalmente após a maioridade ou emancipação, se comportem, de facto, apenas como estrangeiros”.

A II República recuperou esse conceito no artº 9º da versão originária da Lei da Nacionalidade, que estabelecia que constituía fundamento de oposição á aquisição da nacionalidade portuguesa “a manifesta inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional.”

A Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril, alterou o artº 6º da Lei da Nacionalidade, introduzindo-lhe um nº 6, com o seguinte conteúdo:

“O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.”

A referência “aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa” parecia ser destinada a reparar diversas barbaridades e abandonos, a começar pela perseguição aos judeus portugueses e aos seus descendentes.

Porém, a verdade é que esse normativo se transformou numa inutilidade, com exceção do reduzido número de casos de nacionalidade por favor concedida para retribuir favores ao Estado Português ou à comunidade nacional.

A Lei Orgânica nº 1/2013, de 29 de julho, não seria necessária se a versão anterior tivesse sido bem regulamentada.

Publicada uma disposição a um tempo repetitiva e de difícil interpretação chegou-se ao estado a que chegamos, porque o artº 6º,6 nunca funcionou.

Continua a não haver concessões de nacionalidade por naturalização com fundamento no disposto no artº 6º,6 e, ao invés, multiplicaram-se os pedidos com fundamento no artº 6º,7 apenas porque a apreciação dos processos é muito menos exigente.

Escrevi em 2015 um pequeno livro sobre a questão da aquisição da nacionalidade pelos descendentes dos judeus sefarditas portugueses e sou o autor do texto quer figura no site da sociedade de advogados de que sou sócio.

Como advogado, não tive a coragem de subscrever, até hoje, nenhum pedido de aquisição da nacionalidade por pessoas invocam a qualidade de descendentes de judeus portugueses, embora tenha acompanhado e conheça diversos processos.

A minha atitude nada tem a ver com o excesso de pedidos que algumas pessoas invocam ou com a falta de ligação há comunidade nacional por parte dos candidatos.

Entendo que as homenagens à História devem fazer-se com processos de verdade histórica; e a verdade histórica não passa por opiniões nem por declarações não demonstradas ou por registos ou por trabalho de especialistas.

Mais do que a questão jurídica, o que está em causa é uma questão histórica, que dever respeitar a verdade histórica.

A Genealogia é uma  ciência; uma ciência auxiliar da história, que “estuda estudando a origem, a evolução e dispersão das famílias e respetivos sobrenomes ou apelidos.”

Tem autonomia científica desde os finais do século XVII.

As universidades portuguesas formam genealogistas e algumas têm mesmo serviços de genealogia.[2]

Mas, para além disso, há empresas especializadas que se dedicam aos estudos de genealogia e que produzem trabalhos excelentes.

O maior problema da maioria destas empresas reside no facto de não estarem dispostas a produzir documentos autenticados das suas investigações.

É preciso explicar em que consiste a autenticação de documentos.

Dispõe o artº 150º do Código do Notariado:

“Os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário.
2 – Apresentado o documento para fins de autenticação, o notário deve reduzir esta a termo”

Logo a seguir, diz o artº 151º do mesmo Código:
“1 – O termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º, deve conter ainda os seguintes elementos:

a) A declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;

b) A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados.

2 – É aplicável à verificação da identidade das partes, bem como à intervenção de abonadores, intérpretes, peritos, leitores ou testemunhas, o disposto para os instrumentos públicos.”

Com todo o respeito por opinião diversa, a prova dos pressupostos estabelecidos no artº 7º,7 só deve poder fazer-se por documento autenticado, que demonstre tais elementos  de forma inequívoca.

Vamos ver o que estipula o Regulamento da Nacionalidade.

Dispõe o artº 24º-A desse diploma:

“1 – O Governo pode conceder a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos descendentes de judeus sefarditas, quando satisfaçam os seguintes requisitos:

a) Sejam maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;

b) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.

c) Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.

2 – No requerimento a apresentar pelo interessado são indicadas e demonstradas as circunstâncias que determinam a tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, designadamente, apelidos de família, idioma familiar, descendência direta ou relação familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da comunidade sefardita de origem portuguesa.

3 – O requerimento é instruído com os seguintes documentos, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º:

a) Certidão do registo de nascimento;

b) Certificados do registo criminal emitidos pelos serviços competentes portugueses, do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência, os quais devem ser autenticados, quando emitidos por autoridades estrangeiras;

c) Certificado de comunidade judaica com estatuto de pessoa coletiva religiosa, radicada em Portugal, nos termos da lei, à data de entrada em vigor do presente artigo, que ateste a tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, materializada, designadamente, no apelido do requerente, no idioma familiar, na genealogia e na memória familiar.

4 – O certificado referido na alínea c) do número anterior deve conter o nome completo, a data de nascimento, a naturalidade, a filiação, a nacionalidade e a residência do requerente, bem como a indicação da descendência direta ou relação familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da comunidade sefardita de origem portuguesa, acompanhado de todos os elementos de prova.

5 – Na falta do certificado referido na alínea c) do n.o 3, e para demonstração da descendência direta ou relação familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da comunidade sefardita de origem portuguesa e tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, são admitidos os seguintes meios de prova:

a) Documento autenticado, emitido pela comunidade judaica a que o requerente pertença, que ateste o uso pelo mesmo de expressões em português em ritos judaicos ou, como língua falada por si no seio dessa comunidade, do ladino;

b) Registos documentais autenticados, tais como registos de sinagogas e cemitérios judaicos, bem como títulos de residência, títulos de propriedade, testamentos e outros comprovativos da ligação familiar do requerente, por via de descendência direta ou relação familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da comunidade sefardita de origem portuguesa.

6 – Em caso de dúvida sobre a autenticidade do conteúdo dos documentos emitidos no estrangeiro, o membro do Governo responsável pela área da justiça pode solicitar, à comunidade judaica a que se refere a alínea c) do n.o 3, parecer sobre os meios de prova apresentados ao abrigo do disposto no número anterior.”

Esta norma é de interpretação muito difícil, atentas as contradições que importa.

É especialmente difícil a interpretação do nº 3, al. c).

Parece-me absolutamente inaceitável que qualquer associação peça ao “cliente” que apresente uma “declaração sob compromisso de honra” e que, com base em tal declaração produza um certificado suscetível de transformar o declarante (que nem sequer conhece a língua em se declarou) em nacional português.

A exigência da criptofascista ligação efetiva à comunidade nacional – é absolutamente inaceitável, como o era, por absurda, a pretendida exigência de uma “ligação ao território”, de que só agora se falou.

É tempo de acabar com esse conceito e essas ideias absurdas e discriminatórias de ligação à comunidade nacional ou ao território.

Não há nenhuma razão que justifique, em nenhuma circunstância, a apresentação de provas de ligação à comunidade nacional nem por parte dos netos de nacionais portugueses (artº 1º,1, al c) da Lei da Nacionalidade) nem por parte dos descendentes dos judeus sefarditas.

Nada justifica, em nenhumas circunstâncias que se exija a qualquer candidato à aquisição da nacionalidade portuguesa que faça provas de ligação efetiva à comunidade nacional, sem prejuízo de o Ministério Público pode propor ações de oposição, alegando e fazendo prova da inexistência de ligação à comunidade nacional.

Os únicos problemas que se suscitam no plano dos pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa pelos descendentes de judeus sefarditas residem, a meu ver, no da prova dessa qualidade, que deve ser melhorada, por via do recurso a estudos genealógicos sérios e independentes e, especialmente, à acreditação de pessoas e entidades para produzir relatórios genealógicos autenticados, para o que poderia/deveria recorrer-se aos departamentos de História das universidades portuguesas.

Não faz nenhum sentido que a prova da descendência de judeus sefarditas se reduza, praticamente, a declarações das associações religiosas judaicas – excluindo-se, por essa via, nomeadamente,  as comunidades dos marranos portugueses espalhadas pelo Mundo.

Não vi, até hoje, nenhum estudo genealógico que mereça o mínimo crédito, mas acredito que eles possam existir.

O que me parece é que não pode aceitar-se que seja emitido um certificado de descendência na base das declarações, embora sob compromisso de honra, dos próprios interessados.

Por mais respeitáveis que sejam as associações judaicas, parece-me absolutamente insuficiente que um processo de aquisição de nacionalidade possa concluir-se com documentos do tipo dos que se anexam.

Proponho que prestemos homenagem a História com a Verdade.

Tenham a coragem de conferir aos descendentes dos judeus sefarditas portugueses o direito à nacionalidade portuguesa originária, nos mesmos termos em que a mesma é conferida aos netos de nacional português, acabando-se com as provas de ligação à comunidade nacional, mas exigindo-se prova documental inequívoca  da qualidade de descendente de judeu sefardita português.

Só assim é possível reparar o erro histórico e permitir que os filhos dos judeus portugueses possam, eles próprios, requerer a nacionalidade portuguesa originária.

 

 

Lisboa, 5 de julho de 2020

 

Miguel Reis

 

 

 

[1] Refiro-me à numeração atual

[2] Só a título de exemplo vejam-se o Serviço de Genealogia da Universidade de Coimbra em https://www.uc.pt/auc/servicos/genealogia e o Serviço de Genealogia da Universidade do Minho http://www.genealog.uminho.pt/

 

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